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Aziz Nacib Ab’Saber, por Fonseca Neto

26/03/2012 15:17

 

Um baque para a inteligência brasileira a morte de Aziz Nacib Ab’Saber. E a universidade nativa, já sem Milton Santos, agora pode embiocar ainda mais em seu afastamento das graves questões que afetam a coletividade. 

Deve estar aplaudindo o desaparecimento desse mestre aquela parte poderosa que faz o Brasil tacanho, colônia sem fim, entreguista, desmatador, carvoeiro, paraíso e ao mesmo tempo latrina dos capitais sujos dos impérios de longe. 

É grave o silenciamento da voz desse cientista luminoso nesta hora em que Brasília prepara a festa maior agronegocista do Código Florestal dos ruralistas, vitória da neoescravatura no campo brasileiro, agora, a caminho do perdão por seus crimes de derrubar as matas, levar à extinção muitas espécies faunísticas, envenenar o solo e as águas, secar as nascentes. 

O realce nessas questões é para situar um dos principais focos da atuação dele na presente conjuntura. Um geógrafo que na função de pesquisador aplicado, ao contrário de alguns, uniu certo ativismo político a excelência cientifica, transformando-se num combatente da causa da humanidade. Com efeito, num período em que tantos afirmaram a alienante separação da academia do imperativo da participação política, Ab’Saber foi às frentes de luta que se afiguraram urgentes em favor do aproveitamento do gigantesco país chamado Brasil em favor de seu povo, integrado à humanidade e contra a essência depredadora das forças do capital. 

Presidiu ele a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC) de 1993 a 1995, da qual seria feito presidente de honra até anteontem. Travou conhecimento de todo o território brasileiro, viajando por suas paisagensdiversas, e estudando-as, não somente como fenômeno da natureza, mas sobretudo como ambiente do viver humano, da sua construção social e cultural. Livros e livros publicou em seu intimorato percurso. Professor da Universidade de São Paulo. Um dos mais premiados entre os cientistas do Brasil, no Brasil e também por instituições internacionais.

Volte-se a aludir ao Código Florestal em debate no Congresso para dizer da crítica a ele oposta por Ab’Saber, segundo a SBPC, e na palavra de MarianaVersolato, tendente “a alterar as áreas de preservação obrigatórias em propriedades particulares [além de não] considerar o zoneamento físico e ecológico de todo o país, deixando de lado a importância da diversidade de paisagens naturais do Brasil” (FSP, 17/03/2012, p. C11). 

Versolato distingue em sua biografia de pesquisador, a parceria com o zoólogo Paulo Vanzolini, que o “ajudou a pensar a teoria dos refúgios – a ideia de que a contração e expansão de áreas de mata na Amazônia, durante a Era do Gelo, teria ajudado a formar inúmeras ‘ilhas’ com espécies únicas numa floresta que hoje parece ser contínua”. Acrescenta que o trabalho do pesquisador ajuda “a definir os mapas de formações vegetais brasileiras que estudantes e cientistas usam ainda hoje, reconhecendo as diferentes paisagens naturais que formam a mata atlântica, a Amazônia ou a caatinga”

Lembra um seu colega do Instituto de Estudos Avançados da USP, Wagner Ribeiro, que Ab’Saber  “integrou o grupo que propôs  o projeto Floram, o qual, no começo da década de 1990, já apontava a possibilidade de plantar árvores para captar carbono”.

Um crítico social indispensável. Companheiro de Lula, caravaneiro da cidadania com ele, pelo Brasil, não titubeou em criticar alguns aspectos da “política” pública do governo liderado pelo petista concernente ao meio ambiente. Com relação à transposição do rio São Francisco, viu nessa obra a possibilidade dela fortalecer os interesses predadores de latifundiários locais em detrimento da vida dos milhões de viventes da região, carentes de água e de alento.

E sobretudo, repita-se, criticou os termos em que se está dando a reforma do Código Florestal, do ponto de vista de sua inspiração e ajuste às exigências e aos parâmetros do chamado “mercado”: este, deus de outras naturezas, das entregas de Tânatos, dos domínios da morte. 

Ab’Saber fora amigo das primaveras. Este verão o levou. E que noutras estações lembremos, à perenidade, sua obra grandiosa pela vida humana e de todos os seres.

Fonseca Neto, professor da UFPI, escreve às segundas-feiras.

 

 

Acessepiauí - 19/03/2012, às 11:01:34

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