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Tela sociológica exibirá o filme: Lúcio Flávio – o passageiro da agonia

10/05/2018 16:50

O Projeto Tela Sociológica exibe no dia 16 de Maio 14 horas: primeira sessão (expositiva): o espetáculo telânico da violência: filmes para todos os temas sociológicos ás 16 horas: segunda sessão: exibição do filme “lúcio flávio – o passageiro da agonia”, de Hector Babenco.

A corrupção faz parte da história do Brasil e está generalizada em todas as instituições. Dentre elas, as encarregadas da segurança da população. O cinema faz um especial registro das práticas policiais corruptas em LÚCIO FLÁVIO – O PASSAGEIRO DA AGONIA, dirigido por Hector Babenco. Filme baseado no livro homônimo de José Louzeiro. Em determinados contextos sociais, “bandido e mocinho é tudo farinha do mesmo saco”, conforme expressa uma popular canção. Na trilha histórica da atuação dos agente da “ordem”, o cineasta constrói uma realista obra de arte.

A tela exibe, no início da sua projeção, a seguinte nota explicativa: “Nos anos 60 surge uma organização, batizada pela crônica policial brasileira como esquadrão da morte, que passa a combater o crime à margem da lei. Nessa conjuntura, surgem vários episódios e personagens que marcaram uma época. Lúcio Flávio é um deles. Pouco antes de sua morte, Lúcio Flávio contou esta história ao repórter. Seus personagens e situações não são imaginários. Os nomes dos marginais são verdadeiros. Os dos policiais, fictícios”. Um dado jornalístico registra a 15ª prisão de Lúcio Flávio. Acusado de mais de 200 assaltos e outros crimes, ele compõe a galeria dos mais famosos “foras-da-lei” brasileiros. Com um nome a zelar, faz um disparo verbal: “Se eu mijo nas calças, quem é Lúcio Flávio? Bandidinho de araque?”. Gerou seguidores: “Eu sou do bando dele”. Aoseu modo, teve os seus minutos de fama. “Bonitão”, o “famoso bandido de olhos verdes”, tinha consciência das suas marcas identitárias e do seu sucesso. “Vocês podem acabar comigo, mas não acabam com minha história .

A canção popular difunde que “os brutos também amam”. Na sua humanidade ambivalente, tinha seus amores na intimidade da sua vida privada. Janice, a sua amante e mãe do seu filho, declarou a afeição que nutria por um homem amoroso para com os seus familiares. Humano multifacetado na exteriorização dos seus gestos. Em relação àsua cria, Lúcio indaga: “Que será que ele vai pensar de mim quandocrescer?”. Na ocasião de uma das detenções de Lúcio, no espaço públicoda rua e segurando o seu rebento, Janice grita: “Lúcio, eu te amo”. À pergunta do repórter: “Você está consciente de estar ligada a um criminoso?”, ela exalta uma felicidade partilhada a dois: “Lúcio é muito melhor que qualquer um de vocês. ...Eu sou capaz de matar ou de morrer por causa dele.

Apesar de tudo, quando estou com ele, me sintocompletamente feliz. Quantas pessoas podem dizer isso?"Das páginas policiais dos jornais para as projeções telânicas, o filme atua como cronista epocal de um contexto de sombras e fechamentos políticos. Produto artístico loquaz que abre espaço para a manifestação de múltiplos discursos. A criminalização dos afrodescendentes é alvo da vocalização do “velho vovô”: “Pra polícia,a gente é o que a polícia quer que a gente seje. Por exemplo, qualquer nego, pra polícia, é malandro”. Hoje, presenciamos a criminalização da pobreza. Pobres são vistos como perigosos. Um jovem maltrapilho e negro é o primeiro suspeito em uma batida policial. A ancestral “lei do talião” é princípio normativo a nortear as ações de Lúcio Flávio:“Olho por olho, dente por dente. O filho da puta que tentar me aleijar vai morrer degolado.

Eu tô pagando caro pela minha segurança”. “Sócio da polícia” envolto com o “quanto se paga pra sair do presídio”. Nos porões das torturas praticadas, os torturadores explicitam as suas referências metodológicas: “Castigo de bandido tem que ser como no Oriente. Língua cortada e olho furado. Economia pro Estado  e segurança pra sociedade”. A polícia federal entra em cena investigando sobre quem são os “protetores” de Lúcio Flávio e justificando a sua entrada no caso: “O que está se querendo é acabar com o barbarismo nasprisões. Tortura não adianta nada”. No alvo das investigações dos policiais federais está a relação de gente da polícia no assassinato de marginais, na proteção ao tráfico de drogas, na prostituição e em outros crimes.

Moretti, Bechara e 132 são os representantes dos policiais corruptos. A fala do primeiro abre o jogo de uma corrupta parceria: “Polícia e bandido é tudo a mesma coisa, tá tudo no mesmo barco, os caras que protegem a gente não querem saber de maré baixa, a gente tem que seramigo”. Na companhia de Lúcio Flávio, faz um reforço discursivo na pronúncia de um linguajar futebolístico: “...Nós dois jogamos no mesmo time só que com camisas diferentes”. “Molhando a mão” dos seus comparsas, fornecia a eles “revólveres, metralhadoras e carango envenenado”. Lúcio Flávio dá a sua versão dos fatos: “Eu devia ter aprendido que bandido não tem amigo do lado de vocês. Vocês fizeram uma sociedade em que só bacanas do esquadrão levam a melhor, a gente entra com sangue e imbecilidade”. E sintetiza: “Cadeia sem dinheiro nunca deu pé”. Ligia, ligada afetivamente a Liece, do grupo de Lúcio, dá a sua definição para quem é amigo do alheio: “Ladrão é que faz grandes negócios. Tá sempre com grana no bolso, jantando em lugar bacana. Não fica se escondendo por aí, não”.

Em uma sociedade “camarotizada”, frequenta espaços reservados aos Vips. Hector Babenco incursiona no sistema prisional brasileiro e faz um strip-tease das suas relações e códigos de sobrevivência. No diálogo com a literatura, Carandirus entram na mira dos cineastas desvendadores de máscaras sociais. Os noticiários televisivos apresentam as suas celebridades instantâneas, as que estão protagonizando os espetáculos do momento. Figuras atraentes e bem sucedidas naquilo que fazem. A personalidade Lúcio Flávio faz sucesso e traz audiência para os canais que dão a ele visibilidade. Seus empreendimentos são noticiados na televisão: “Mais um assalto da perigosa quadrilha do bandido Lúcio Flávio Lirio acaba de acontecer. Desta vez invadiram uma casa bancária na cidade paulista de Taubaté e levaram 400 mil cruzeiros.

Eles prenderam todos os funcionários no banheiro e desapareceram. A polícia não tem nenhuma pista dos assaltantes”. A versão televisiva da ocorrência é contestada por Lúcio Flávio, o telespectador focalizado: “Como inventam esses filhos das putas! Eles fazem um assalto, pô ficam com a porra da grana e a gente que paga o pato”.Em entrevista coletiva à imprensa, após a sua prisão final, Lúcio Flávio solta o verbo e escancara os bastidores do esquema entre os bandos corruptos. Um depoimento arriscado e desvelador. Desmascaramento com ampla cobertura midiática. Ao seu modo, Lúcio Flávio torna-se um colunável nas páginas jornalísticas e literárias.Segue a transcrição do discurso em que desbarata o jogo das quadrilhas em que foi protagonista: “Grana, meu amigo, muita grana ou vocêacredita no que sai nos jornais. Você pensa que é fácil pular muro de presídio, é? Só eu sei a grana que isso me custou. ...Tem gente da polícia que me deu cobertura. ...Forçação de barra em cima da gente. Se a gente não dá o que eles pedem, a gente aparece boiando. ...Eu não fui convidado para o baile de formatura do esquadrão. Mas aqui dentro dessa sala tem alguns elementos sócios do clube. Um deles me disse uma vez que castigo de bandido tem que ser como no Oriente.

Língua cortada e olho furado, economia para o Estado e segurança para a sociedade. Um desses amiguinhos que meteu isso na minha cabeça na base da porrada está saindo daqui agora. Por que que vocês não perguntam isso para ele? Olha aqui, meus amigos, eu sou bandido, sim. Eu roubo dinheiro de banco, que é dinheiro que não tem dono. Se eu preciso de grana, eu vou lá e apanho ela. Por isso é que eu sou bandido. Agora, se for preciso atirar, eu atiro. Porque eu estou me defendendo. Eu nunca saí pra assaltar banco pensando em matar alguém, não. Agora os nossos amiguinhos não só ganham, como têm alvará para sair matando por aí. Falando claro, polícia é polícia e bandido é bandido!”.

Lúcio Flávio tem consciência de ser “um cabra marcado pra morrer”. No seu linguajar, previa o seu epílogo existencial: “...Eu já sou presunto há muito tempo. Só estou esperando chegar a hora”. E ela chegou. O texto fílmico registra a causa da morte prevista: “Lúcio Flávio foi encontrado morto, com 19 facadas no peito, na cela nº 7 do presídio Hélio Gomes, no Rio de Janeiro, na madrugada de 29 de janeiro de 1975”. “Do bando do Lúcio não vai sobrar ninguém pra contar história”. Outra projeção confirmada pelas sangrentas folhas dos jornais diários alimentados pelo sangue derramado nos confrontos violentos do cotidiano. Os abutres de plantão noticiam as chacinas e barbáries das selvas de pedra urbanas. As mortíferas manchetes são ilustradas com simbólicas caveiras. Chamadas de primeira página trazem conteúdos que geram sensações: “Lúcio Flávio abre o bico”; “Dentro do tribunal polícia em pânico – bandido denuncia esquadrão da morte”; “Lúcio Flávio entrega esquadrão da morte”; “Fuzilada amante de Liece vítima do esquadrão – cortados todos os dedos”; “Nova vítima do esquadrão da morte feito bicho – morto Liece”. A gangue dos policiais marginais não escapa dos enquadramentos legais: “Os elementos envolvidos no caso Lúcio Flávio foram expulsos da polícia, e punidos criminalmente”.

Lúcio Flávio e Moretti viveram no século XX. Os Lúcios e Morettis estão entre nós. Trajetórias que são referências para pensarmos os nossos atuais desassossegos referentes à Segurança Pública. As violências estão nas mídias e redes sociais com os seus milhares de seguidores. Dão audiência e demandam por enfrentamentos. O medo, individual e coletivo, continua na sua marcha histórica. Jean Delumeau e Georges Duby, historiadores dos medrosos tempos, chamam para serem relidos. Róbotica, era digital e medievalismos configuram os nossos ambivalentes mundos. Progressos e regressões. Rondas policiais e barras pesadas nomeiam programas televisivos e radiofônicos. Batem recordes de audiência.

O filme de Hector Babenco segue a linha de cineastas sensíveis aos dramas sociais do cotidiano. As lentes cinematográficas estimulam para o lançamento de olhares complexos sobre as questões geradoras de angústia e dor no dia a dia. A criminalidade estampada nas manchetes dos noticiários não é um exclusivo problema policial. Como está o índice de desenvolvimento humano brasileiro? E o nosso estado de bem estar social? E as promessas de investimento em educação e saúde feitas nas campanhas eleitorais? E a área da cultura? Geração de empregos. Políticas públicas abrangentes que partam da ideia de que somos multidimensionais. Precisamos de pão. Não queremos só comida. Lazer e arte para os nossos shows diários. Ninguém nasce marginal. Noquinha, nome pelo qual Lúcio Flávio era chamado pelo “velho vovô”, nos seus sonhos de criança, imaginava ser referência histórica do banditismo brasileiro? Que conjunção de fatores encaminharam-no para ser um ladrão criminoso?

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