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DCE 'Livre' na lente da memória: fragmentos de um testemunho

20/10/2009 21:23

Guiomar de Oliveira Passos[1]

Comemoram-se 30 anos de DCE ‘Livre', ou seja, de uma entidade estudantil desvinculada orgânica, legal e institucionalmente das instituições de educação superior, do Ministério da Educação e das leis de exceção. Talvez fosse melhor falar do aniversário de um DCE auto-regulado, isto é, regido por suas próprias regras e normas, pois assim é que as entidades estudantis passaram a ser, no Brasil afora, naquele ano de 1979.

Este não é um marco qualquer, pois se erigia uma entidade quando vigoravam os Decretos-Lei nº 477 e 228, ainda que moribundos[2]. O primeiro cerceava a liberdade de pensamento, organização e manifestação de professores, alunos e funcionários das instituições de educação superior, era, como se dizia então, o Ato Institucional nº 5 no interior destes estabelecimentos de ensino. O segundo definia a organização dos estudantes, estabelecendo suas finalidades, competências, órgãos representativos, participação, regimento interno, enfim tudo que dizia respeito às entidades estudantis. Claro que já se usufruía da chamada "Abertura Política", o Ato Institucional nº 5 já havia sido revogado desde 1978 e o Movimento pela Anistia já ganhava as ruas e praças do país e dali a pouco, em 28 de agosto de 1979, já colheria o grande fruto da aprovação da Lei nº 6.683, a Lei da Anistia.

Parece que foi ontem! Ainda estão vivas na memória as intermináveis e exaustivas reuniões de elaboração do Estatuto, os debates sobre a relação com as antigas entidades (os Diretórios Setoriais), o processo eleitoral, os modos de garantir a lisura do pleito e respeitar a vontade dos estudantes expressas nas urnas. As primeiras eleições são inesquecíveis! As disputas com os partidários do Regime e entre os grupos - as chamadas tendências - que a ele se opunham, o acompanhamento vigilante do Procurador da República, Prof. Samir Hadd, escolhido, por sua postura democrática, para ser uma espécie de guardião de todo o processo eleitoral, que ficava conosco até a contagem do último voto e a lavratura das atas. E a Carta Programa da Travessia, a chapa vencedora? Uma grande folha de jornal dobrada em quatro partes, tendo na capa um "caminho" e o trecho do poema do célebre Thiago de Melo "quem sabe onde quer chegar, escolhe o melhor caminho e o jeito de caminhar" e se comprometia a lutar pelo fim do Regime Militar, por Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, pela convocação imediata de uma Assembléia Nacional Constituinte e, principalmente, por uma universidade pública, gratuita e de qualidade.

Não terá tudo isso acontecido há muitos séculos? Vivemos numa democracia, com ampla liberdade de organização e manifestação, têm direito ao voto todos os maiores de 16 anos, sem distinção de cor, renda ou grau de instrução, não temos presos políticos, nem muito menos co-patriotas exilados em face de suas idéias e puderam retornar os que foram expulsos, a Constituição de 1988 assegurou não apenas liberdade e igualdade, mas também instituiu mecanismos de fazer com que suas determinações sejam cumpridas. O acesso ao ensino superior público permanece gratuito e de qualidade. Não foi, como temíamos, privatizado nem tampouco sucateado, existem hoje, inclusive, políticas de inclusão as mais diversas, para torná-lo acessível para aqueles que são oriundos de escolas públicas ou pertencem às etnias discriminadas. Tal é a cotidianidade destes fatos, a rotinização, que chegamos a pensar que sempre foi assim e que a ausência, principalmente de democracia, liberdade e igualdade é, no máximo, ‘coisa de antigamente'.

Assim, temos muito a comemorar nestes 30 anos de DCE ‘Livre'. Ele foi um farol de liberdade, arrojo e luta numa sociedade presa ao poder oligárquico mais do que ao do regime militar, acomodada e acovardada. Foi semente de organização e mobilização de todos os setores, populares e democráticos, no Piauí. Forjou e preparou lideranças. Em síntese, criou na Universidade Federal do Piauí um espaço para além da sala de aula, da pesquisa e da extensão, onde se aprendeu sobre o Brasil e o Piauí, a sociedade e política brasileiras e piauienses, sobre a convivência com o diferente, o adversário, os poderes e os poderosos, sobre a força da organização. Assim, fez da UFPI legítima herdeira da universidade do medievo e contemporânea do seu tempo.

[1] Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília, professora e ex-aluna de graduação da Universidade Federal do Piauí, foi secretária geral da primeira diretoria do DCE ‘Livre' (1979-1980).

[2] Os Decretos-Lei nº 477 e 228 foram revogados em 16 de agosto de 1979 pela Lei nº 6680.

 

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